Eventos naturais extremos estão se tornando cada vez mais frequentes em todas as partes do mundo. Esse colapso vem sendo alertado em inúmeras pesquisas as quais indicam que inundações, tempestades e aumento do nível do mar podem afetar mais de 800 milhões de pessoas no mundo, custando às cidades US$ 1 trilhão por ano até a metade do século. Essa situação parece indicar que o único caminho para a sobrevivência urbana é trabalhar urgentemente com as vulnerabilidades das cidades para proteger seus cidadãos.
Neste contexto, as soluções baseadas na natureza (SbN) têm sido aplicadas aos projetos urbanos procurando dar uma resposta sustentável a diferentes efeitos climáticos. Elas representam estratégias que reconectam a população à natureza, assim como, mitigam a poluição do ar, auxiliam no conforto térmico das cidades, diminuindo o efeito das ilhas de calor, no escoamento das águas da chuva, entre outros. Além desses inúmeros benefícios de ordem física, mental e ambiental, essas soluções representam, muitas vezes, estratégias criativas que podem custar muito menos do que soluções ditas tradicionais.
A seguir, selecionamos seis projetos urbanos que materializam soluções baseadas na natureza enfrentando diferentes desafios do mundo contemporâneo.
Parque Bishan-Ang Mo Kio, Singapura
As soluções baseadas na natureza requerem, além da criatividade em sair da zona de conforto das estratégias ditas usuais, uma colaboração estreita entre diversas frentes de trabalho. Um processo desafiador, mas, nem por isso, impossível como nos mostra o Parque Bishan-Ang Mo Kio, em Singapura.
Há algumas décadas a cidade decidiu canalizar o rio Kallang por meio de um canal margeado por cercas que acabou por se tornar uma divisão simbólica e literal entre os bairros do entorno. Quando este canal precisou de reparos, a Agência de Gestão Hídrica de Singapura teve de escolher entre reconstruir o canal de concreto ou considerar uma “re-naturalização” do rio, restaurando o leito original e sua planície de inundação. O canal de 2,7 km de drenagem longa e reta de concreto foi, portanto, restaurado e transformado em um sinuoso rio de 3 km de comprimento.
O resultado é um projeto de infraestrutura verde e azul que ampliou os benefícios do canal para a comunidade, atendendo às necessidades de proteção contra inundações e melhoria da qualidade da água. A combinação entre materiais naturais, técnicas de engenharia civil e espécies vegetais que ajudam a filtrar e absorver a água foi essencial para estabilizar as margens do rio e evitar a erosão.
Conforme apresentado neste artigo anterior, A Universidade Nacional de Singapura conduziu uma análise de custo-benefício e descobriu que a reconstrução do canal em concreto custaria cerca de US$ 94 milhões (133 milhões SGD, dólares singapurianos). A naturalização, por sua vez, custou pouco menos de US$ 50 milhões (70 milhões SGD) e ajudou a expandir e interconectar o espaço do parque.
Ou seja, além de todo o benefício ambiental, melhorando o gerenciamento das inundações e a qualidade da água, o bem-estar físico e psicológico ao possibilitar o encontro das pessoas com a natureza, essa SbN também gerou um impacto financeiro positivo, possibilitando um bom resultado por uma fração do custo tradicional.
Corredores Verdes, Colômbia
Nos últimos anos a cidade colombiana de Medelín viu 18 ruas e 12 hidrovias sendo transformadas em paraísos verdes. Como parte do projeto “Corredores Verdes”, a arborização intensa das rotas urbanas procura mitigar os efeitos das ilhas de calor dentro da cidade, causadas principalmente pelo uso exacerbado de concreto e asfalto.
No exemplo aplicado à Avenida Oriental, uma das principais vias da cidade, mais de 2 quilômetros dos canteiros centrais e adjacentes foram remodelados incluindo a substituição dos pavimentos não permeáveis por permeáveis. Os equipamentos existentes foram substituídos por mais de 600 árvores, palmeiras e milhares de espécies menores que, por sua escolha certeira, possibilitaram o retorno da fauna nativa para a região, sendo possível hoje presenciar a visita de diferentes espécies de pássaros, como periquitos, papagaios, além de borboletas e até esquilos.
A iniciativa se concentrou em áreas que não possuíam espaços verdes e possibilitou a diminuição de até 2°C da temperatura do ambiente. Em 2019 ela venceu o Prêmio Ashden de Refrigeração Baseada na Natureza, apoiado pelo Programa Kigali de Eficiência de Refrigeração.
Jardim de Chuva, Brasil
Seguindo a mesma linha do projeto anterior, este também está debruçado sobre o problema da falta de permeabilidade do solo nas regiões urbanizadas. Assim como trata esse artigo anterior, os jardins de chuva são jardins especificamente projetados para contribuírem para a limpeza, infiltração e diminuição do escoamento da água de chuva. A água escoada durante as chuvas passa por entre as plantas, pedras e outros elementos que possam fazer parte do jardim. Dessa forma, são retidas partículas em suspensão e poluentes presentes na água, pelo solo e capacidade filtrante das plantas e suas raízes. Eles podem ser implantados próximos às calçadas e vias de tráfego, em canteiros centrais ou até mesmo dentro de lotes.
Em 2019, o primeiro jardim de chuva da cidade do Rio de Janeiro foi implementado no Centro Cultural Fundição Progresso, e teve início com o Dia da QuebrAção no qual a calçada de concreto em frente ao espaço começou a ser removida, dando lugar a 200 metros quadrados de espaço verde. Cecilia Herzog e Daniel Gabrielli, profissionais responsáveis pelo projeto, afirmam que trazer a natureza de volta para o convívio urbano e aprender com ela é um grande paradigma do século XXI, cooperando com todas as espécies envolvidas e utilizando a tecnologia da natureza em prol da cidade.
Parque Linear Grande Canal, México
Assim como os corredores verdes de Medelín, este parque linear construído em meio ao tecido urbano da Cidade do México tem como premissa a regeneração ambiental, desde o reflorestamento do tecido urbano e a reposição da permeabilidade do solo o que, por consequência, resultou em um aumento da umidade relativa do ar em mais de 16% e uma redução da temperatura de até 5°C, amenizando o efeito das ilhas de calor.
Entretanto, além de todas as características ambientais acima citadas, este parque simboliza a retomada de um espaço há muito abandonado, já que, foi construído sobre a estrutura histórica do Grande Canal da capital, integrando mais de 70 mil metros quadrados de uma área que antes era segregada por essa espécie de fissura urbana. A recuperação da mata nativa e ciliar do antigo canal foi um fator determinante para o desenvolvimento do projeto de intervenção, restabelecendo este território como uma área de domínio público 100% permeável.
Parque Manancial de Águas Pluviais, China
Este parque foi projetado em meio à uma área pantanosa no centro da cidade. Cercado por quatro vias com desenvolvimento urbano densificado, as fontes de água para sua sobrevivência haviam sido cortadas e nisso consistiu o principal desafio do projeto. A estratégia dos arquitetos foi transformar o manancial moribundo em uma "esponja verde" - um parque de águas pluviais urbanas, que não só salva o ambiente com risco de extinção, mas também fornece vários serviços para a nova comunidade urbana.
Neste projeto, quatro estratégias foram seguidas. Primeira, o núcleo central do manancial existente não foi tocado, possibilitando seu processo natural de evolução e transformação. Segunda, utilizando a técnica de corte e aterro foram criados lagoas e montes que cercam o antigo pantanal como uma zona de transição até o núcleo central e um acolhedor filtro paisagístico entre natureza e cidade. Terceira, no nível solo, uma rede de caminhos com mobiliários urbanos foi construída permitindo que os visitantes tenham a experiência de atravessar uma floresta. E, por fim, a quarta estratégia esteve baseada na criação de passarelas aéreas que ligam os montes dispersos com plataformas e mirantes que enquadram diferentes vistas da paisagem natural.
A solução transformou, portanto, o manancial em um parque de águas pluviais multifuncional que recolhe, filtra, armazena águas pluviais e se infiltra no aquífero, enquanto se mostra produtivo e pró-vida, proporcionando novas experiências recreativas e estéticas para a cidade. Com o histórico de inundação do local nos meses de junho a agosto, não somente a vegetação se beneficiou, mas também a área impermeável da cidade no entorno, fazendo do Parque uma ótima infraestrutura verde de drenagem.
Hortas Urbanas em diversos países
As hortas urbanas vêm surgindo em várias cidades do mundo por meio de iniciativas, independentes ou governamentais, que procuram promover essa prática. A cidade estadunidense de San Francisco, por exemplo, aprovou há alguns anos uma lei que diminui os impostos dos terrenos baldios que possuem hortas comunitárias. Em Tóquio, foram inaugurados, ainda em 2014, cinco pomares construídos nas coberturas de edifícios, mas não qualquer edifício, nas estações de trem. Em Barcelona são vistas enormes hortas nas regiões periféricas abandonadas que são geridas por grupos independente de aposentados.
Entretanto, a iniciativa de Roraima, norte do Brasil, se destaca porque alia a produção sustentável de base agroecológica, segurança alimentar e nutricional com geração de renda e inclusão social e produtiva de públicos em situação de vulnerabilidade. Por meio de técnicas simples e acessíveis, a ideia é qualificar as famílias para produção sustentável e ainda estimular o comércio dos produtos excedentes em feiras locais. As possibilidades são várias, incluindo a produção de mudas e também de composto orgânico para venda.
Esse caráter colaborativo é um dos destaques do projeto. A seleção das espécies é feita em conjunto com os participantes, com aplicação de um questionário para entender o hábito alimentar da família para que todos se sintam integrados ao processo.